A ousadia dos pequenos
By Luciano “Carioca” VitorJá são seis anos de labuta e esforços hercúleos que culminaram em cinco livros lançados, de dois autores, mas resumindo assim parece que é mais uma dessas idéias de fundo de quintal que culmina numa micro-editora e a idéia se torna apenas palavras dentro de um currículo.
Um dos autores lançados pela Spectro Editora é o grande autor americano Charles Bukowski, criador de tipos memoráveis como Hank Chinaski (seu alter ego) e líder (mesmo que sem pedir) de uma geração inteira de loucos, bêbados, aspirantes a escritores (alguns até que conseguiram seus intentos, basta ver a gaúcha Clara Averbuck que bebe descaradamente na fonte de Bukowski, só que com uma outra roupagem) e músicos, na maioria roqueiros, que o idolatram. Desde o projeto paralelo da Comunidade Nin Jitsu, a 808Sex até bandas como o U2, cujo vocalista Bono Vox é fã declarado do autor. Ele escreveu uma canção homenageando o autor, “Dirty World”, que utiliza palavras de um livro de poesias chamado “The Days Run Away Like Wild Horses Over the Hills”, o que no mínimo é um contra-senso enorme, já que Bukowski não gostava de rock e nem de roqueiros, sua paixão era a música clássica. Mas como começou essa historia? Uma pequena editora capitaneada por três amigos consegue lançar 4 livros de poemas de Bukowski no Brasil desbancando grandes editoras e impérios literários.
Que o sul do país tem uma extensa vocação para empreendimentos editoriais, qualquer um mais informado sabe, mas em Florianópolis uma editora conseguir publicar o grande autor amado por gerações, no mínimo é estranho. Foi sobre esse desafio de colocar o bloco (ou a editora) na rua e as negociações com os representantes de Bukowski (a Black Sparrow Press que também representa outro ícone e ídolo de Buk, Jonh Fante) que a Dynamite foi conversar em um domingo de chuva, bebendo uma cerveja, com Fábio Soares um dos donos da editora. Porque para entender todo o universo que cerca essa historia é necessário entrar de copo e alma.
Dynamite: Como tudo isso começou? Nos conte mais da historia da Spectro Editora.
Fábio Soares: Bem, eu conheci esse cara de nome misterioso, Aleph Ozuas, em 1997 que logo se tornou um parceiro de bebida e junto me ajudava a editar uma revista de estudantes chamada Poité. Antes disso eu já havia editado por 3 anos um jornal de jogos chamado Avalon, então já estava definitivamente inoculado pelo vício de publicar, a tensão de passar meses virando noites trabalhando em algo muito abstrato na tela do computador e um dia ir na gráfica e ver lá aquele volume materializado. Vicia na hora. Então em 98 decidimos que montaríamos uma editora para lançar uma mistura de novos autores com autores consagrados e deixamos a idéia adormecida num canto. Quando em 2001 entrei em contato com a Black Sparrow Press e resolvi montar a editora, Aleph não estava mais disponível para o projeto, pois nesse meio tempo se aperfeiçoara como webdesigner e montara o excelente site ciberarte.com.br. Então eu e mais dois sócios, um dos quais eu conhecera no jornal de jogos vários anos antes, montamos a editora, que conta ainda com a colaboração esporádica de Aleph, que é quem tirou a foto da ave morta que está na capa de Vida Desalmada.
(O texto completo desta matéria você pode ler na versão impressa da Revista Dynamite.)
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Para quem não sabia, a logomarca da spectro editora foi inspirada nos fantasmas do jogo Pac-Man, da Atari. E por acaso você lembra o nome deles? Os personagens são Inky, Blinky, Pinky, e Clyde. Qual deles você acha que é o fantasma da Spectro?
Florianópolis — Em seu trabalho, Fábio Soares precisa aprender novos palavrões em outras línguas. Pelo menos foi assim que o tradutor e editor conseguiu passar para o português parte da obra do escritor e poeta Charles Bukowski com o máximo de fidelidade possível.
Publicar as obras do autor é um namoro antigo. Durou dois anos de negociação com a editora Black Sparrow Press, dos Estados Unidos, responsável pela obra, e com o escritório de representação International Editors, no Brasil. Quando a editora foi vendida à Harper Collins, o começo da tradução ficou mais lento. O processo de “aportuguesar” a poesia do Bukowski iniciou-se com cada um dos tradutores — Soares, Sigval e Gerciana — lendo um trecho do livro e passando para o português simultaneamente. Depois de anotadas as dúvidas, recorreu-se a dicionário, pesquisa e debate sobre as partes inentendidas. “Um dicionário bom dá o contexto da palavra: se é preconceituosa ou ofensiva, mas infantil, por exemplo”, justifica Soares.
Tempo de vôo para lugar algum
Ainda que editoras surjam a toda hora, o mercado livreiro nacional tem problemas ancestrais, que inibem o aparecimento de novos selos. Volta e meia, porém, alguém tenta romper o bloqueio de gente estabelecida e apresenta lançamentos interessantes. A Spectro, sediada em Florianópolis, é um destes casos. Apesar de recente, possui já, em seu primeiro ano de vida, três títulos no catálogo. Pelo menos dois deles - Hino da Tormenta e Tempo de Vôo Para Lugar Algum, poemas de Charles Bukowski - têm força para interessar leitores de todos os quadrantes, em razão da estatura de seu autor, o norte-americano de origem alemã que escreveu Crônica de um Amor Louco. O terceiro volume é Dia de Morrer aos Poucos, de
Os principais obstáculos dos selos emergentes são, desde sempre, a propaganda e a distribuição, conforme reconhece Soares. Há uma espécie de círculo vicioso que barra a publicidade em jornais e revistas, por sua vez responsável pela dificuldade em levar o produto até o consumidor, nas livrarias. “Mas o nosso projeto, até o quarto livro, não é o retorno”, diz ele. No caso de Hino da Tormenta e Tempo de Vôo Para Lugar Algum, nem mesmo a qualidade dos poemas tem ajudado a escoar os livros. Em Porto Alegre, por exemplo, apenas a Livraria Cultura do Bourbon Shopping Country, as Livrarias Porto do Shopping Iguatemi - ambas filiais de redes maiores, que têm a preocupação de registrar tudo o que se publica no País - e a Via Sapiens, na Lima e Silva, os mantêm em estoque. O panorama não é diferente no restante do território nacional, sendo, às vezes, até pior.
Hino da Tormenta (2003, 94 páginas, R$ 18,00) e Tempo de Vôo Para Lugar Algum (2004, 104 páginas, R$ 20,00), de Charles Bukowski, ambos da iniciante editora catarinense Spectro e em tradução do trio
Tempo de Vôo Para Lugar Algum é ainda melhor. Fora de cena o personagem beberrão e rabugento dos romances, folclórico e humano em sua patetice, entra no palco o artífice de sagas individuais quase elegíacas. A comicidade, a falta de heroísmo e o instante significativo que a memória preservou estão lá, intocados e recriados para a posteridade. Se Bukowski incomodava, quando afrontava um american way of life incompreensível com sua vagabundagem ostensiva e seu desapego aos bens materiais, nos dois conjuntos de poemas em questão ele se impõe por força de um poderio mais incisivo. Sem medo de se expor em intimidade, o criador do alter ego Henry Chinaski revela pendor para uma sinceridade que, nas narrativas, tinha muito de impostura juvenil. E em certos poemas de amor que ele soa imbatível, como em Sim, estou: “(...) gosto de ler o jornal de domingo na cama com ela./ gosto de fitas laranja amarradas no pescoço do gato./ gosto de dormir de encontro a um corpo que conheço bem./ gosto dos chinelos pretos jogados ao pé da cama às/ duas da tarde./ gosto de ver como saíram as fotos.// gosto de ser socorrido nos feriados:/ dia da independência, dia do trabalho, dia das bruxas, ação de graças,/ natal, ano novo./ as mulheres sabem como navegar na tormenta/ e elas têm menos medo do amor que eu.// minhas mulheres me fazem rir quando comediantes profissionais/ falham.// tem aquele bem-estar de sair juntos para/ comprar o jornal.// me agrada muito estar sozinho/ mas há também um estranho e afetuoso encanto em não estar sozinho.// gosto de dividir batatas cozidas tarde da noite/ gosto de olhos e dedos mais hábeis que os meu que podem/ desatar do nós do cordão dos meus sapatos.” Em seus poemas-crônicas, Bukowski se redime da eventual sordidez (que há) e fala a linguagem universal da empatia.
Hino da Tormenta, de Charles Bukowski
Florianópolis — Charles Bukowski (1920-1994) escreveu a maior parte de suas obras sobre mulheres, bêbados, heróis vagabundos vivendo em pequenos quartos de hotel e perdendo seu dinheiro apostando em cavalos. Passados nove anos da morte do outsider chega ao mercado nova edição de “Hino da Tormenta” (Spectro Editora), livro que terá tarde autógrafos hoje, no Centro de Comunicação e Expressão (CCE) na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Também hoje, no mesmo local, a editora lança “Cartilha de Jack & Janis”, romance de Egídio Mariano do Nascimento que satiriza a vida conjugal moderna. A narrativa se desenvolve em torno da tensão entre a emblemática postura de Janis, a heroína, e o sorumbático olhar de Jack, o anti-herói. O casal está ligado por um destino tão surpreendente quanto irreal, pois quem nos conta a história, o Narrador, a transforma ao se intrometer na vida conjugal de Jack & Jani.