Sunday, August 29, 2004

A difícil tarefa de traduzir os poemas de Bukowski

Editora de SC converte textos para a língua portuguesa

Bukowski com a amiga Georgia, numa foto famosaFlorianópolis — Em seu trabalho, Fábio Soares precisa aprender novos palavrões em outras línguas. Pelo menos foi assim que o tradutor e editor conseguiu passar para o português parte da obra do escritor e poeta Charles Bukowski com o máximo de fidelidade possível.

Junto aos tradutores Sigval Schaitel e Gerciana Espíndola, Fábio converteu para o vocabulário tupiniquim “Hino da Tormenta”, em agosto de 2003, e “Tempo de Vôo para Lugar Nenhum”, lançado em maio deste ano, pela editora Spectro.

Outras duas publicações traduzidas dos poemas de Bukowski devem ser feitas pela empresa. As quatro obras formam o livro “Open all Night”, lançado nos Estados Unidos em 2003. “Escolhemos esse, até porque era o último. Mas não iria dar certo um livrão de 400 páginas de poesia aqui no Brasil”, diz, explicando porque a obra foi dividida.

ÚNICAS

Além de Jorge Wanderley, que lançou “Os 25 Melhores Poemas de Charles Bukowski” (editora Bertrand Brasil) no ano passado, as duas publicações da Spectro são as únicas no País com poemas do autor alemão, radicado nos EUA.

Isso porque, no Brasil, a prosa de Bukowski faz parte de sua obras mais conhecidas. “Até pra corrigir isso que a gente foi atrás dos poemas. É na poesia que se vê seu melhor estilo. Lá fora (exterior), a prosa dele é rejeitada. Ele ganhou a vida recitando poemas em universidades.”

GÍRIAS

As traduções, segundo Fábio Soares, levam, em média três meses. Nas duas que fez, as dificuldades foram as gírias e os palavrões utilizados pelo “velho safado”. Para isso, ele se valeu de um dicionário de gírias, mas, muitas vezes, teve que colocar a cabeça para funcionar. “Tem que ficar muito atento porque algumas coisas não estão dicionarizadas. Daí tem que entender qual contexto”, fala.

Soares cita como exemplo a expressão bild like a shit house, que literalmente seria traduzido “construída como uma casa de merda”. No entanto, Bukowski falava de uma mulher bonita. A versão final ficou como “gostosona e tão cheia de curvas quanto um mictório” — geralmente mal construído ou feito de forma encurvada. “Tem de explicar a metáfora”, diz.

Outro ponto de atenção na tradução são os termos esportivos para duas atividades constantemente exploradas por Bukowski: o beisebol e a corrida de cavalos. Nesse caso, não basta a tradução literal, mas o uso que as palavras têm no Brasil. “Chegamos a ligar para um hipódromo”, relembra aos risos. A jogada homer ou home run, por exemplo, é comum aos adeptos do beisebol, mas — como o esporte não é popularizado no Brasil — foi traduzida como “rebater uma para fora”.


“Namoro” com a obra do escritor é coisa antiga

Gerciana Espíndola e Fábio Soares com os livros de poesias traduzidos para a Spectro EditoraPublicar as obras do autor é um namoro antigo. Durou dois anos de negociação com a editora Black Sparrow Press, dos Estados Unidos, responsável pela obra, e com o escritório de representação International Editors, no Brasil. Quando a editora foi vendida à Harper Collins, o começo da tradução ficou mais lento. O processo de “aportuguesar” a poesia do Bukowski iniciou-se com cada um dos tradutores — Soares, Sigval e Gerciana — lendo um trecho do livro e passando para o português simultaneamente. Depois de anotadas as dúvidas, recorreu-se a dicionário, pesquisa e debate sobre as partes inentendidas. “Um dicionário bom dá o contexto da palavra: se é preconceituosa ou ofensiva, mas infantil, por exemplo”, justifica Soares.

Para traduzir o autor, os três tiveram de ler diversas obras em português e inglês para conservar o estilo. “Tem um fluxo narrativo fantástico; (ele) faz as palavras correrem soltas e consegue-se fazer retratos muito bons”; exalta. Nessa parte, diz, contou muito a dedicação de Sigval à poesia, que já lançou obra pela Spectro. “Ele tem umestilo parecido com o do Bukowski”. A outra tradutora, Gerciana, também tinha bom contato com a obra do escritor alemão. Fez sua monografia para formatura no curso de letras (língua inglesa) sobre os erros da tradução de Bukowski por Jorge Wanderley, no livro lançada pela Bertrand Brasil em 2003.

O próximo desafio, conta Soares, será a tradução de contos de Dan Fante, filho de John Fante. A editora planeja lançar o trabalho do autor juntamente com produções de contistas brasileiros “nem tão famosos”, em dezembro.


Originalmente publicado em:
A notícia – Santa Catarina - Anexo - Página C3
Domingo, 29/8/2004

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